volta e meia penso que quem não me conhece deve imaginar coisas sobre mim, me vê de batom na boate e acha que tenho tudo.

volta e outra meia lembro que já jantei muito arroz com repolho, que minha mãe pendurava as compras na lojinha, que bolacha recheada era o lanche mais barato pra acalmar minhas lombrigas.

minha família e eu sabemos o que se passou e isso fica entre nós.

só que ler esse livro resgatou memórias que não vivi. ou melhor, que não vivi – por pouco. ainda que branca e muito meu deus, muito privilegiada, nem sem saber que era diferente das outras pessoas.

sinto um ódio tremendo por muita coisa, e compaixão por quem enfrentou o que enfrentou pra eu poder estar aqui hoje, pedindo e indicando esse autor.

possivelmente vou apagar esse texto e lembrar apenas do livro, que o carreguei por uns dias, tentando não me desesperar pelo João, por mim, por muita gente que vive e viveu isso. a vida não é justa, as coisas moldam a gente de um jeito estranho. hoje pobre menina branca, ontem moradora de cortiço. todos os agradecimentos necessários já foram feitos e jamais vou deixar de lembrar do meu arroz com repolho. gosto de conhecer as pessoas pois nem deus sabe o que cada um enfrenta e já enfrentou, é como guardar um segredo. tem monstros que não quero nem mexer, mas tem certezas que levo e confirmo ao esbarrar com autores como o Tenório.