sobre (não enviar) cartas de amor

devanneia
4 min readJul 10, 2023

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últimos dias foram cheios de reflexão, inúmeros momentos que fico olhando pro nada, divagando sobre coisas simples, e bom, tem coisas não tão simples assim.

o que está constante na cabeça é todas as canções, poemas, prosas, cartas, tudo que é dedicado a alguém, de forma romântica: tudo que entitulamos carta de amor. sobre como enviar algo abrindo o coração, dependendo da situação é na verdade, uma maneira de dividir a pressão, de jogar a responsabilidade.

OLHA, ME SINTO ASSIM, A CULPA É SUA, ENTÃO VAI TER QUE AGUENTAR ESSAS 300 PÁGINAS DE POESIA.

você termina uma relação, ou tem ela terminada por outrem, e decide enviar emails, mensagens longas, dizendo que o outrem não precisa responder. mas em tese precisa ler. e se não precisa resposta, por que se envia? o que queremos dizer que n˜ao pode ser durante um café?

não se quer ser cafona?

não se quer se expor?

é realmente mais seguro por trás de um dispositivo? a segurança de sua casa, ou de um café?

aí resolvi comparar com o que cometi meses atrás: abri uma parte da minha história para um amigo, tentando parecer uma pessoa não manipuladora e esquisita, mas talvez tenha falhado. mas tentei, juro. simplificando, contei que queria conhecer esse amigo há mais tempo do que nos conhecemos, que já o tinha visto em outros lugares, que frequentávamos outros lugares, e eu era invisível pra ele. normal, normal. dividi que apesar de ter realizado um desejo, quando o conheci mantive o p'e na realidade e tudo seguiu tranquilo, até o momento que me apaixonei (mas não usei essas palavras — não tive coragem), e tive que entender tudo que se passava. Dividi com ele pois acho que ele tem o direito (será) de saber que essa garota ''aqui vai se apaixonar se eu continuar dando bola, melhor me afastar'', pensando em como ele pensaria.

Na hora, penso, ele recebeu bem, reagiu bem, manteve a postura de pessoa legal que admiro há tanto tempo.

e como imaginei, mantivemos o respeito e apesar de nos encontrarmos amigavelmente, muito provavelmente não passaremos tanto tempo juntos da mesma maneira. ou de maneira alguma.

fiquei nervosa, estava segura quando contei, mas agora penso que talvez não tenha medido bem as consequências devidamente: se queria vê-lo, por que contei tudo? ah porque somos adultos e gostamos de sinceridade. verdade isso.

e foi assim que perdi aquele que nunca tive de verdade. mas tamanho drama nem se enquadra na alegria de tudo que passamos, salvo tudo que não foi bom.

por que contei?

era mais fácil ter guardado tudo pra mim e seguido a vida? era

esperava que ele dissesse algo minimamente parecido? não, definitivamente.

esperava que ele me bloqueasse e me evitasse pra sempre? talvez. mas ele não faria isso, não é do perfil, pelo menos penso que não.

e contei pessoalmente, e fiz questão de olhar nos olhos, de permitir que ele se expressasse, saísse correndo ou qualquer coisa. era importante manter a honestidade e companheirismo que tínhamos — temos.

senti alívio, senti o coração pular, senti o vazio, os ombros relaxaram. os convites cessaram, lamento um pouquinho, sim. e me sinto tranquila com isso.

um certo momento entendi que o sentimento construído, sentimento que abasteci por anos, a curiosidade e a alegria em vê-lo, tudo estará comigo, e é importante o modo como reajo a isso, e não se essa pessoa vai saber ou não. o sentimento é meu: me faz sorrir, me dá saudade, me traz lembranças e me anima, me traz auto-estima. é meu. está comigo.

por isso, não pertence a ele, nem a ninguém.

o amor por alguém acontece dentro de mim, é meu. se vier de volta é bom. se não vier é sinal de que tenho sentimentos. não sou oca, não sou sombra, não sou vazia.

e escrever sempre serviu para fazer as linhas dos pensamentos fluírem, não para ser lida. escrever não muda sentimentos. está escrito, está na minha prateleira de memórias boas.

e pra não encerrar de modo poético ou chato, para alguns, ainda não sei o que pensar sobre a questão inicial. em outros tempos, com certa distância, entendo que escrever era se comunicar. ainda é.

ainda é?

pois se você escreve, dedica materiais incríveis com ambição de atingir alguém, por que não fazê-lo pessoalmente, por telefone, com possibilidade de conversa, diálogo? não permitir a resposta justifica escrever incríveis poemas, músicas, e seguir a vida de maneira quase contraditória: se casando com outra pessoa, seguindo o trabalho, conhecendo novos amigos. é então uma forma de desabafo, uma forma de expressão.

vista do caminho rumo à mureta urca, no rio de janeiro

e essa questão, de usar a criatividade para guardar o sentimento em forma de arte me encanta. por isso não estou longe nem contra todas as formas artísticas de amor. talvez não de possa olhar como algo a ser respondido, apenas. ou até mesmo enviado diretamente.

talvez o melhor seja publicar e jogar pro universo. não depender disso pra seguir.

estava lendo sobre universos paralelos e a forma mais simples de pensar neles é justamente pensar no que aconteceria se tivesse dito isso, sido isso, feito aquilo, estado lá e acolá. mas tanto desgaste, tanto uso de ansiedade…

algumas das reflexões que tem passado aqui.

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devanneia

leio e penso demais. escrevo com minúsculas pq fica mais bonito o texto, olha só.